quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sigilos quebrados


É evidente que qualquer pessoa em sã consciência vai achar escandalosa a violação de segredos fiscais de um cidadão. É mais evidente ainda que, se houver um mínimo de respeito pela chamada coisa pública, os responsáveis por essa aberração serão punidos com rigor - mas isso, é claro, se vivêssemos no melhor dos mundos, o que me parece não ser bem o caso. De todo modo, vincular a quebra de sigilo fiscal a campanha eleitoral me parece um desvio de rota. Vamos discutir a coisa? Sim, vamos. Devemos. É preciso uma explicação. Mas ao que consta um presidente não vai cuidar só disso. E o resto dos projetos de governo? "Depois que estrear a gente pega o pique" não dá mais.


Escrevo sem ter visto o efeito de tantas denúncias nas pesquisas eleitorais. Deve ter causado algum, sem dúvida - e é nisso que o segundo colocado nas pesquisas anteriores aposta, torcendo por um segundo turno. Até o momento, no entanto, paira uma dúvida cruel em todas as cabeças ligadas à corrida eleitoreira: quebrar sigilo bancário surte efeito na opinião da maioria dos eleitores? Em caso positivo, haverá uma comemoração pela resposta ética do sacrificado povo brasileiro. Em caso negativo, e se a candidata do governo subir no trono já no primeiro turno, não faltará quem ataque a conivência da patuléia. Em redes sociais, mesmo, já li que as pessoas - os "outros' - estão mais interessados em dinheiro no bolso e comida na mesa do que em lisura ética. Como se querer sobreviver com relativa dignidade tivesse se transformado em crime.

A cada vez que vejo candidatos espumando contra a violação do sigilo fiscal de seus correligionários e/ou aparentados (um crime, repito), lembro de uma viagem que fiz pelo Nordeste, entre Piauí e Maranhão. Para cruzar parte da região, era preciso pegar uma caminhonete Toyota e viajar na carroceria lotada - um pau-de-arara light, uma viagem que tinha até um pernoite porque o percurso era danado. Eu ia de turista, meio dondoca escandalizada. Mas os outros passageiros iam mesmo receber o pagamento na única agência do Banco do Brasil num raio de léguas. Eles tinham de dormir ao relento pra poder receber o auxílio financeiro de uma bolsa-família ou a aposentadoria rural.

Lembro deles, repito, e me pergunto se aquelas pessoas fazem ideia do que é quebrar um sigilo fiscal. Acho que eles nem sabem o que é "sigilo". Sequer imaginam o que é "bancário". Esse discurso indignado - com razão, porque nós, que pagamos impostos, não queremos nossa vida fiscal exposta ao público como pôster da Playboy - não atinge uma grande maioria de brasileiros, eleitores, tão cidadãos quanto eu, você, a filha do candidato ou o camelô da 25 de março. Acontece que a classe política que se julga melhor aparelhada para administrar o país não conhece aquilo que quer tomar conta. Dá as costas ao Brasil real e ainda se espanta quando as coisas não saem como ela acha que deveriam sair.

Na verdade, eu penso mesmo que a quebra de sigilo fiscal é uma prática mais comum do que sonha a vã candidatura. Não é nada raro receber e-mails de empresas que "descobriram" o seu potencial consumismo em alguma listagem vendida sabe-se lá por qual administradora de cartão de crédito. Até um tempo atrás, pra se obter visto de entrada em alguns países, era preciso mostrar a declaração de rendas. Mas hoje, com tudo informatizado... Gente, se o neguinho entra no sistema do Pentágono, não vai entrar na minha declaração de renda? Tá certo que, no que me diz respeito, ele vai rir um bocado e passar pro próximo - mas impossível não deve ser, não.

Outro dia, li que a Biblioteca do Congresso Americano guarda num computador todos os twitters escritos no mundo. Você consegue imaginar isso? Com dois toques no teclado, um hacker entediado tem acesso a todos os kkkkkks e demais bobagens que você tuitou por aí. Graças à Nota Fiscal Eletrônica, qualquer funcionário da Receita Federal pode descobrir onde o senhor anda gastando o seu salário - tá comprando sapato demais, hein? - mas isso não quer dizer que o sistema da NFE seja ruim: vai impedir que muito comerciante dê o truque, cobrando caro da gente e não pagando o que deve em impostos, alguns até trabalhistas.

Reafirmo o que disse no começo: quebrar sigilo bancário é uma violência inominável, que deve(ria) ser punida com tremendo rigor. Mas achar que isso é bruxaria de esquerdistas mal-intencionados é reduzir todo o avanço da tecnologia a uma disputa eleitoral passageira. A informática nos uniu numa intimidade tão promíscua, que quebrou até mesmo nosso direito aos segredos antes inconfessáveis. Mas, antes de mais nada, lembro sempre de uma frase que dona Maria Quitéria, também conhecida como minha mãe, dizia: quem não deve, não teme.

5 comentários:

  1. Oi, Mário!
    Tô adorando ler as suas matérias.Manda um abraço pra D.Maria Quitéria!rs.
    Beijo da Shu

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  2. Como vc bem sabe, sou uma cabeça-dura sem nenhum dinheiro no bolso! Portanto, voto na Dilma e dou risada de quem, por descuido (só assim é legal), invadir minha "conta" na Receita. Tenho chiliques qdo ouço a paulistada falar que bolsa-família só garante a cachaça de preguiçoso! Queria que estas pessoas passassem uma única semana cortando cana! Mas voltando ao caso da quebra de sigilo, o Álvaro Botocado Dias esqueceu de dizer ao país que "foi a Dilma que atirou o pau no gato"!! Aliás, onde anda o Artur Virgílio??? Não soube de nenhuma declaração do aloprado sobre o assunto.
    Resumindo, quero que eles se lixem!
    Besotes

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  3. Os tucanos subestimaram a candatura da Dilma, achavam que ela era café-com-leite, que nem Lula conseguiria viabilizá-la como candidata, por isso não tentaram derrubá-la quando ministra nem quando ela saiu candidata. Avaliaram que seria melhor ela do que qualquer outro do PT da da base de apoio.
    Avaliaram tb que Marina levaria muitos votos do PT com ela.
    Erraram feio na estratgégia.
    Lula está virando toda a sua aprovação para Dima, Serra deve desabar a vinte por cento dos votos, uma derota humilhante no primeiro turno e para uma iniciante.
    Marina é o maior fiasco ideológico dessas eleições, minha prima evangelica fudnamentalista de Muzambinho vota nela, faznedo discurso contra os homossexuais e a legalização do aborto, isso resume para que lado a acreana foi. Uma pena.

    Não contente com tanta burrada, eles tentam a mesma estratégia do mensalão, de atacar de pobres tucanos perseguidos, no encândalo de Formiga ou da violação do sigilod a filha que na verdade só interessa para ela mesmo.
    Já começam ajogar a toalha e salvar ao menos o governo de São Paulo.
    Eu que queria ficar neutra mas estou em campanha: Fora tucanada do inferno,chega de picolé de chuchu, de mamar e de ferrar e educaçã públca em São Paulo.

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  4. Mário, só um reparo: a NFE é estadual, não é federal. Em tese, quem tem acesso a isso é apenas a Secretaria Estadual da Fazenda, e não a Receita Federal. A menos que haja "quebra de sigilo"...
    Abraço,
    Gio

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  5. Rapaz, é mesmo. Eu devia ter respondido isso quando tentaram me cooptar a não pedir NFE... rs rs... Dânkeshen. Giovanni!

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