sexta-feira, 16 de abril de 2010

Memórias de Viagem 2 - Adeus, lembrancinhas


A ficha caiu no meio da viagem, literalmente. Estava numa cidadezinha chamada Hoi An, no Vietnã, e fui conduzido a uma loja de sedas e de roupas feitas sob medida. Disparado, eram as roupas mais feias do mundo, uns ternos desconjuntados e uns vestidos que criariam poeira até em brechó de quinta. Saí de lá, percorri as ruas margeadas por lojas de artesanato... e me dei conta que, na verdade, o artesanato está acabando. Está em extinção, junto com a onça pintada e o sagui do topete verde (se é que existe um).


Fiquei pensando nas últimas feirinhas de artesanato que já percorri - e eu confesso, adoro percorrer feirinha de artesanato desde o tempo em que a da Praça da República se chamava feira hippie. A cada ano que passa, os produtos são mais e mais iguais: no Nordeste, as mesmas estampas de camisetas percorrem todos os Estados, mudando apenas a identificação: Recife, Natal, Fortaleza... Bolsas de couro, caixinhas coloridas, alguns bonequinhos pornográficos - e nisso se resume a quase totalidade dos "artesanatos", que mais parecem feitos em série num torno mecânico de fundo de quintal.

Não é só no Brasil. Há 17 anos, a rua de Patpong, em Bangcoc, era um festival de roupas de seda e produtos de couro trabalhado a mão, lindos. (Era também a rua dos puteiros, onde as moças extraíam bananas, bolinhas de pingue-pongue e até giletes da vagina - mas isso não mudou, continua). As barracas agora vendem camisetas muito semelhantes às que você encontrará nos países vizinhos. Eu disse 'países' e não exagerei. Quando é o mesmo país, então...

Em Phuket, no sul da Tailândia, vi uma camiseta bem legal, que acabei deixando de comprar por preguiça - tem hora que você enjoa de barganhar cada compra, é um saco ficar discutindo preço até com chofer de táxi. Não me preocupei, porque acharia uma igual em Bangcoc. Dito e feito. Só que em vez de "estive em Phuket" vinha um "estive em Bangcoc"...

No lugar das roupas de seda e artefatos de madeira, o que se vende agora? Cópias de relógios Rolex; camisetas Lacoste; cuecas Armani e calcinhas Dolce&Gabbana... A máfia das falsificações tomou conta das barraquinhas de suvenir - de Porto Alegre a Macau, de Belém a Dubai. Agora, em vez de colaborar pro orçamento de uma tiazinha bordadeira de Maceió ou Marrakesh, você ajuda a rede do crime organizado. Não, não é paranoia: se alguém ler "McMafia", de Misha Glenny, ou "Ilícito", de Moises Naim, vai entender o que eu estou falando. Comprar um Rolex falso pode ser uma onda divertida, mas para o nego que vende armas contrabandeadas do Tucurunduquistão pro Iraque, não é divertido, é lucrativo.

Essa onda pegou força mesmo na China, país que não é nenhuma congregação de freiras descalças. Na terra dos mandarins, os caras têm a manha de falsificar até trem de alta velocidade - compraram o projeto alemão, que está em Xangai, lindo (liga a cidade ao aeroporto, a 32 km, em 8 minutos!) e logo copiaram pra construir um genérico em outra cidade. A coisa tá feia nos tribunais internacionais de marcas e patentes. Mas a mania espalhou e hoje todo mundo - mesmo o seu amigo mais careta - chega de Dubai ou Miami todo satisfeito exibindo roupas, relógios e tênis falsificados. Qual é o prazer disso? Exibir a marca ou a falsificação?

Em meio a tanto "lolex" (é como os orientais chamam o relógio, juro), há sempre um respiro. No Laos, o país mais pobre da velha Indochina, ainda sobrevive o mercado noturno de artesanato à moda antiga. Tá certo que Luang Prabang, a cidade mais bonita do Laos, parece ter parado em 1976: se não fossem as lan houses, você se sentiria em pleno território hippie. Todos falam baixo, todos respeitam você, ninguém te aborda na rua e tudo é meio paz-e-amor. Beleza pura.

O mercado noturno (na foto) também é assim. Lá você ainda encontra toalhas de mesa feitas à mão, almofadas bordadas mesmo e esculturinhas de gosto duvidoso, porém autênticas. Ah, encontra também camisetas feitas em série - mas que só são vendidas na cidade... Em Luang Prabang, o império das falsificações ainda não chegou à avenida principal.



5 comentários:

  1. no brasil tb tem se perdido bastante do artesanato. é só ver feirinhas e encontrar muitas peças made in china. beijos, pedrita

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  2. Fui uma vez no Promocenter, na Paulista e sai besta de ver aquele monte de loira mal falsificada, com bolsa falsa, relogio falso, tudo falso. Tem um perfil na classe média que adora essas coisas, gente muito deselegante e sem modos, por sinal.
    Também não entendo o prazer que essa tribo tem em ostentar aquelas coisas.
    Eu n unc gostei de feirinha de artesanato, acho chato, não compro nada, mas não precisava colocar coisas piores no lugar.

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  3. Obrigada pelo post! Esclareceu um mistério que carrego faz anos: sempre quis conhecer o Laos e a Papua Nova-Guiné. Finalmente entendi o fascínio que sinto por esses lugares remotos!

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  4. Papua Nova Guiné deve ser engraçado... É lá que tem uma ilha onde todo mundo é gordo pra caramba, masca uma folha vermelha e passa o dia cuspindo no chão?

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  5. Putz! Já perdi a vontade de conhecer Papua Nova-Guiné... Aproveitando... Ninguém me convida para almoçar no Mercadão!!!!

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