sexta-feira, 9 de abril de 2010

Memórias de Viagem - 1


Antes de virar guru de auto-ajuda, o filósofo suíço Alain de Botton escreveu um livro bem legal sobre turismo e o por que as pessoas viajam e o que isso muda na vida delas, se é que muda. Num dos capítulos, Alain tenta explicar porque a gente sempre tem boas ideias e resolve problemas complicados quando está no meio das férias. O horizonte, diz ele, se amplia, perdemos as nossas referências cotidianas e isso nos ajuda a encontrar soluções até óbvias para coisas que nos incomodavam. É claro que ninguém vai descobrir a cura pro xulé durante as férias, mas sempre dá pra ter uma boa ideia pra começar uma peça, um conto, uma paquera, sei lá.

Falava disso com a delicada Adelia Nicolete outro dia, num encontro fortuito no café da Livraria Cultura, e ela me questionou: a gente só encontra essas saídas quando viaja? e quem não viaja? Boa! (Nelson Rodrigues nunca saiu do Brasil, vejam só...) Ficamos tertuliando, pensando que ser turista em seu próprio mundinho, em seu próprio quintal, também é um ótimo método. Ser turista, no caso, é aprender a olhar as coisas sob diferentes luzes e ângulos; é buscar o inusitado no mesmo; é olhar direto pro Outro, o nosso interlocutor, porque o Outro é uma surpresa que nos obriga a assumir novas atitudes, sempre. (Pelo menos é o que se espera do Outro, que não seja uma panqueca insossa todo dia).

Depois, Adelia me escreveu falando sobre os que viajam, viajam e não saem de casa. Sei de gente que, mal chegou a Nova York pra uma estadia de 7 noites, correu em busca de um restaurante brasileiro, porque ardia de saudades do arroz-e-feijão. Notem: era uma semana de viagem pra Nova York, que não é destino exótico nem pra quem vive em Cabul. Depois, o tal patriota reclamou que a comida deu dor de barriga e eu disse: bem feito. OK, ninguém precisa comer besouro crocante, cérebro de sagüi ou olho de bode só pra dizer que está aberto às novidades. Mas um pouquinho de jogo de cintura não interfere na camade de ozônio de ninguém... Custa dormir sem pijama, comer carne mal passada ou tomar cerveja sem espuma? (é praticamente impossível explicar pra um garçom do Vietnã que, sim, você gosta de colarinho no chope: "The white?", ele pergunta espantado - e serve a cerveja sem nadica de espuma)

Por que escrevo tudo isso? Porque levei um susto tremendo em Dubai. Quase um mês longe da tropical folia brazuca, vendo coisas melhores, vendo coisas piores, enfim, curtindo... e eis que, ao sair de uma estação do novíssimo metrô dubaiense, me vi diante da foto que ilustra esse post. Contive o grito de "Perseguição!", saquei a máquina e pensei: essa vai pro blog. Ironia é isso - tanta gente bacana pra lembrar a 12 mil quilômetros daqui e eu fui lembrar justo de Gilberto, o Alcaide! (É ele ainda, né?)



9 comentários:

  1. Olá Mário, pode ser que a gente se conheça da Folha... Fiquei interessada no curso que vc dará na SP Escola de Teatro, mas acho que não tenho o perfil de aluna que a escola pretende. Vc dá aulas em outros lugares? Trabalho com edição de livros e tenho o maior interesse em teatro. Me escreve? Bj

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  2. Ana, a seleção de alunos do curso foi feita pela própria escola, depois de discutirmos pra quem seria indicado etc. Sei que tiveram de cortar muita gente, o que é um bom sinal, mostrou interesse geral.
    Pra falar de outros assuntos que não sejam os do post, me escreva pra mvianinha@gmail.com.
    abraço

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  3. Bem-vindo Mário Viana. Nós que aqui ficamos, por vós esperamos......

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  4. Mário, se no seu curso você ensinar como seu faz para escrever tão bem como você, eu vou me inscrever... Como você sabe muito bem, eu sou um anarfa funcional...

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  5. acho que não é só a viagem, atividades culturais tb nos tiram da nossa pasmaceira. acabamos enxergando melhor olhando de fora do q dentro do problema. beijos, pedrita

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  6. Pedrita, exercitar o cérebro é sempre fundamental, mas tem gente que acostuma a não pensar mais e acaba criando estrias e celulites na caixa craniana... Repensar-se sempre é o segredo, mas sem neuras. Trocar ideias com criança é sempre legal, sabia? Como eles estão vendo muita coisa pela primeira vez, na conversa banal com eles a gente de repente descobre como certas coisas do cotidiano são legais.

    Vita, vc me deixa encabulado... rs rs...

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  7. mário - benvindo de volta!!!!!!
    como vc sabe, sou super-adepta das viagens - como era meu velho pai portuga.
    Não tem nada melhor para sacudir o que vc acha, tirar vc do mundinho que vc pisa sem olhar.
    De quebra, acho que vc se redescobre e também redescobre o seu país.
    Eu, por exemplo, aprendo sempre a gostar mais de umas coisas do Brasil - não todas, claro! - quando fico longe.
    Vc aprende a relativizar. Tem assuntos em que temos soluções de convívio melhores do que europeus e americanos. Noutras coisas, ainda tempos muito caminho a percorrer.
    Mas viajar é bom sempre.
    Mesmo que seja no quintal de casa, lendo um livro, embarcando na imaginação dos outros e ampliando a sua própria.
    Ver alguns filmes do festival É Tudo Verdade, que começou ontem, também vale a pena.
    bjs

    Neusa

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  8. Cáspita, MV! Até em Dubai??? Isso já virou questão pessoal mesmo! rs

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  9. Faltou dizer que a delicada Adélia Nicolete esparramou uma braçada de elogios ao seu blog, que agora vai ficar ainda mais gostoso com as Memórias de Viagem.
    Honra essa citação, hein? To que num me caibo!

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