quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O fim, como princípio


Já li e ouvi algumas pessoas falando mal de "A Fita Branca", novo filme do suíço Mikael Haneke. Eu estou no time dos que gostaram - e gostaram muito - do filme (foto) Com menos entusiasmo, gostei de "Um homem sério", dos irmãos Cohen. Os dois filmes me conquistaram por suas cenas finais e, em especial, por deixar muita gente na plateia com cara de ovo frito. "O que aconteceu?" foi a primeira pergunta que mais ouvi. "Isso lá é fim" foi a segunda. A cada manifestação dessas, eu gostava mais de cada filme.

Tem um filme famoso dos anos 70, que nunca vi nem sei o nome, mas lembro do impacto que me causou a cena final (que, obviamente, me contaram): pra decidir a grande questão do filme, o personagem joga uma moeda pro alto, vai resolver no cara ou coroa. E a imagem congela com a moeda voando no espaço. Tchau e bênção. Desde esse dia eu gosto de finais assim, que deixam na boca o gosto de continuidade - mais ou menos como os finais dos melhores contos de Lygia Fagundes Telles.

Mas parece que a plateia de hoje não é muito chegada a essa múltipla escolha derradeira. Quer o final explicado, definido, de preferência feliz. Não há espaço pra dúvidas, dilemas e quem-sabes. Talvez houvesse se a pessoa não passasse metade do filme mandando twitters ou torpedos ou atendendo o celular ou comentando qualquer coisa com a pessoa do lado. A necessidade neurótica de estar conectado 24 horas com o mundo acaba dispersando as atenções e impedindo qualquer concentração. Daí, a obrigatoriedade de um final claríssimo.

A tecnologia avança a passos cada vez mais largos e qualquer novidade às 10 horas já se tornou obsoleta ao cair da tarde. Pior, estamos aplicando essa velocidade em nossa vida. Não temos tempo de ouvir, falar, ver, amar, nada. Não temos paciência para entender que o Outro é diferente e nem sempre concorda conosco. Buscamos nossos Iguais, no sentido mais rasteiro do termo. Qualquer sinal de diferença acaba em afastamento imediato, quando não em troca de insultos.

Um bom exemplo é o twitter. Hoje, recebi vários posts de um ator amigo, declarando sua aversão a Dilma, Lula, PT, etc. Vários, dezenas de posts. Respondi com apenas um: "Democracia é bom, mas dá trabalho. Eu não voto em tucano". É uma opinião minha, exclusiva, mas que achei legal partilhar com quem estava dando a sua. A resposta foi um silêncio sepulcral. Será que o fato de votar no outro candidato, torcer pro outro time ou preferir outro gênero musical vai nos afastar tanto assim uns dos outros?

Eu não quero nem faço questão de viver rodeado de quem pensa como eu. Deus me livre. Ter opinião e defendê-la não significa construir uma barricada que impeça a entrada dos 'inimigos'. Hello, pessoas: não há inimigos. Não neste campo, pelo menos. Podemos conviver com o diverso, foi pra isso que lutamos, acho eu. Não precisamos de finais de filme engessados, mas podemos ter aqui e ali, pra quem goste. Não é isso que vai fazer o filme melhor ou pior, no fim das contas. Podemos e devemos ter nossas preferências. Melhor ainda, devemos manifestá-las sem medo nem prepotência. Mas o bom senso anda tão fora de moda...

12 comentários:

  1. Hoje folheei e acabei comprando para a Flora, que foi quem primeiro se interessou, um livro de entrevistas feitas pela Clarice Lispector, com artistas, escritores, músicos, uma delas com Nelson Rodrigues. Ele conta que ficou magoadíssimo com uma resppssta atravessada que Helio Pellegrino lhe deu numa discussão sobre política e faz um discurso super bonito sobre a amizade, as palavras e os sentimentos, pena não ter aqui em mãos para reproduzir.
    Acho que as plateias medianas nunca gostaram de finais criativos e inusitados, você está fantasiando o passado (rs). Os que gostaram foram os que acabaram se interessando por cinema, arte, literatura, política e hoje passam o maior sufoco para pagar o carnê do Inss e o Seguro Saúde (rs).
    O passado não era melhor do que o presente, nem as pessoas tinham mais paciência, eram mais críticas, eu acho. Penso que com o aumnento da velocidade, aumentou também a velocidade da solidão de quem pensa, sente, vê a vida criticamente, diante da industria cultural e da despolitização dos temas e das pessoas. Eu não me lamento acho que o ser humano é assim mesmo, você se suspreende porque é um manteiga derretida(rs).

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  2. De certa forma, vc tem razão. Especialmente quando diz que as pessoas talvez fossem mais críticas. É inegável que a formação escolar era mais forte e, eu pelo menos, tive professores excelentes no colégio estadual, que me ensinaram a pensar o que estudava.
    Mais razão ainda tem a Flora. O livro de entrevistas feitas pela Clarice é lindo (a Neusa Barbosa me deu num desses aniversários aí). Não tem nada a ver com jornalismo, é uma escritora cercando os amigos, extraindo deles coisas e mais coisas... É bem curioso.

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  3. Não dá para engolir 10% de analfabetos, 21% de analfabetos funcionais e os demais muito mal formados e ignorantes, ouvindo funk pornô e setanejo de péssima qualidade. Minha bandeira na vida atualmente é a educação. Chega de dar tv de plasma a carro velho para o povo, vamos dar o que é importante e dura para sempre. Nas conversas com politicos petistas desço a ripa no governo por não colocar a educação como pilar do discurso político. Nisso, eu tiro o boné e aceno o lenço vermelho, em homenagem a memória de Leonel Brizola, que não colocava a esducação como questão paralela e sim como a saida para a construção da nossa nacionalidade.

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  4. E aí, autor número 1?

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  5. Como uma das pessoas que conversaram com você sobre A Fita Branca e que se alinham ao grupo dos que NÂO gostaram, um pequeno comentário: nada contra finais em aberto -- logo eu, que na juventude cometi um conto que terminava com e,. O problema do filme, pra mim, é que nada acontece desde o início. Parece que o sujeito vai contar uma super-história, os personagens são interessantíssimos, a fotografia opressora é estupenda -- e aí a pretensão engoliu o roteiro. O filme é um punhado de variações sobre o nada e o final em aberto, na minha modesta opinião, é apeans consequência natural: sem história, sem conclusão.

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  6. Daí a maravilha do mundo, a profusão d'opiniões. Eu gostei do filme pq vai lá longe, no antes da primeira guerra, pra tentar entender a barbárie da segunda... e sempre é um prazer ver crianças atuando tão bem. É tão raro. Geralmente, são anões decoradores de texto... Nesse filme, não. O clima todo oprime.
    Em tempo: Eliane NÃO é das que estranham finais abruptos. Eu me referi aos zé-manés do cinema. Cara, na hora que as crianças estão falando dos crimes, um momento tenso, o rabanete humano do meu lado sacou o celular pra passar um twitter! Eu educadamente avisei: essa luz tá me atrapalhando. E ele: olha pra frente. E eu, mais fino ainda: desliga essa merda! Ele desligou. Nada como um pouco de Piaget pra deixar as coisas bem claras.

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  7. Eu não vi "A fita branca", mas vi "Um homem sério" e o que gostei foi (tendo em vista que odiei os dois últimos filmes deles) justamente que é um enorme abrir de questões, sem respondê-las. Eles traçam o fio condutor do cara (esqueci o nome da personagem) todo fodido, e daí saem todos os fios paralelos que só ampliam a discussão, mais nada. Nada se resolve na tela. Uma espécie de Brecht do cinema do século XXI. Um novo caminho, talvez. Um grande filme, certamente.

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  8. Kiko, q análise interessante a sua. Gostei. O q me incomodou no filme foi a necessidade de ter um rabino ao lado pra explicar o excesso de termos judaicos. Eu sou gói, caramba! Oi vei!

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  9. Olá Mariom desculpa ter q pedir seu contato por aqui, será que pode me passar seu e-mail, para rafacinema@gmail.com, gostaria de trabalhar com um texto seu e gosaria de conversar com vc..
    att
    Rafa Rodrigues

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  10. Mário,
    Ainda não vi A Fita Branca. Mas vi o filme argentino, que é bem legal. Vc já viu? Como sempre, nosso amigo Tiago é o ator principal. E eu que pensei que ele estivesse na Bahia...

    Não some Mário...

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  11. O filme argentino é MUITO bom. E o Tiago deles tem olhos azuis. O 'nosso' não. Mas são gêmeos, impressionante.

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