domingo, 3 de abril de 2011

Pais & Filhos


É muito feio fazer o que eu fiz. Abandonar o blog, mesmo com bons argumentos - estava ocupado com textos para novos projetos, lancei o livro "Carro de Paulisa", acompanhei a estreia do Festival de Teatro Grotesco do N.e.x.t. - mas a vida não tem nada a ver com isso, certo? Quem tem blog precisa cuidar dele, zelar, acarinhar os seguidores. Não dá pra ficar tanto tempo distante. Feito o mea culpa, vamos à luta. Voltei!

Eu não achava que o nobre deputado Jair Bolsonaro fosse me inspirar a escrever um novo post. Na verdade, não inspirou mesmo. Eu preferiria ignorar a baciada de tonterias que aquele homem atirou na cara dos telespectadores do CQC - mas confesso que mandei minha mensagem pra ouvidoria do Congresso, pedindo providências contra tanta paquidermice mental. Estava até conseguindo um certo distanciamento, muito embora cada notícia dada sobre o fulano me deixasse perplexo. Reconheço, entretanto, que não fiquei tão perplexo quanto os mais jovens e talvez os meus colegas de geração me ajudem a explicar a coisa.

Quem cresceu, fez faculdade e se formou sob o tacão do regime militar não esperaria outra coisa de um milico. Que me perdoem os militares avançados, de mente aberta (eles existem, sim), mas a imagem que ficou das Forças Armadas pra minha geração foi de truculência, mentalidade tacanha e zero de disponibilidade ao diálogo. Uma figura com o carisma democrático do Bolsonaro não arrancaria maiores suspiros entre os crescidos nos anos 70 e comecinho dos 80. Ele espanta hoje em dia? Ainda bem que sim! Mostra que estamos avançando, mesmo sabendo que uma boa parcela de eleitores do Estado do Rio ajudou a dar emprego à Bolsonaro & Sons.

Com o fim do regime militar, as forças avançadas fizeram jus ao nome e avançaram. Talvez não o suficiente para evitarmos os debates constrangedores da última eleição presidencial, quando só faltou reivindicar a volta da virgindade como troféu de casamento. Mas avançamos a ponto de nos mobilizarmos e gritarmos quando uma - digamos levianamente - pessoa como aquele deputado é convidado para ir à TV manifestar o seu (perdão pela imprecisão do termo) pensamento. Ele pode, sim, pensar do jeito que bem entender, foi pra isso que defendemos tanto a democracia. Mas seu direito de se manifestar termina onde começa o direito de exposição dos que o acham uma infeliz caricatura.

Com os aguerridos defensores do conservadorismo, acho que nem é tão difícil conviver. Eles emitem lá seus raciocínios, nós emitimos cá os nossos, assim vamos levando. O diabo é quando o conservadorismo aparece disfarçado de qualquer outra coisa que nós até achamos engraçadinho. Não podemos atacar o pensamento arcaico do Bolsonaro e, ao mesmo tempo, tratarmos como "acredite se quiser" a notícia de que o ex-jogador Toninho Cerezo vai à Itália dar entrevista ao lado do filho transexual. Por que o apoio de um pai a um filho merece tamanho destaque? É, obviamente, pelo fato de jogador de futebol ser macho o suficiente para encarar a realidade de um filho traveca. Não sei se isso mereceria destaque numa sociedade realmente isenta de preconceitos.

O deputado expôs seu ponto de vista diante da câmera de um programa conhecido por só poupar da execração o peso do Ronaldo Fenômeno. Deu a cara a tapa - ou melhor, deu um tapa na cara daqueles a quem despreza, certamente imaginando que pretos e bichas fossem mais cristãos e oferecessem a outra face. Toninho Cerezo não pediu a ninguém que pagasse sua passagem pra Itália, nem mesmo ameaçou chegar lá e dar uma surra de chicote no filho veado. Sabe-se lá quantas lágrimas o jogador deve ter derramado até aceitar a decisão do filho - e se alguém achar que estou sendo machista, tenha dó... Toninho certamente tinha algum sonho pro filho, da mesma maneira que o deputado. Só que o primeiro não impôs o seu modelo de vida. Cerezo, chorando ou não, aceitou e convive com a situação certamente inesperada. Apoia o filho publicamente e, para tanto, não depende dos nossos votos. Não merece, portanto, ser alvo de chacotas, muito menos de chacotas disfarçadas.

Duvido que o deputado fosse macho o suficiente pra ter a atitude do ex-jogador.

8 comentários:

  1. eu tenho hábito com o blog. mesmo com a vida atribulada o máximo q acontece é distanciar um pouco as postagens, mas pelo menos umas duas vezes por semana estou por lá. a volta da virgindade tem ressurgido com algumas religiões. ainda há quem acredite que uma boa educação livra os filhos do homossexualismo. e ainda há quem ache q uma mãe que cria um filho sozinha poderá ter um filho homossexual. o pior é q esses pensamentos são infelizmente mais comum do que gostaríamos. beijos, pedrita

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  2. Mário, diante do que vc escreveu tenho que lhe dizer uma coisa. O Cerezo subiu MUITO no meu conceito nos últimos tempos. Apoiar incondicionalmente um filho é coisa para macho! Já ficar se escondendo por trás de coisas preconceituosas -- como aquela excrescência que é o Bolsonaro -- é coisa para gente sem caráter. Pronto, falei!

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  3. Pedrita! Andrea! Grandes figuras se manifestando junto aos meus modestos olhares loiros... bjs

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  4. São tantos os níveis de preconceito... Abafados ou não, engraçadinhos ou não. O conservadorismo aparece disfarçado do que achamos "engraçadinho" pq a figura em questão é caricata. De tão arcaica, soa patética e caricata. Mas não menos perigosa. Mesmo. De novo, a figura em questão, é apenas a ponta de um iceberg de dejetos que ameaça um Titanic já remendado e lutando bravamente pra não afundar. Lâmpadas, facadas, empurrões de trens, estrangulamentos, seja na perifa ou na Augusta, a coisa tá cada vez mais "preta" e mais perto. Infelizmente.

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  5. Mário:
    Primeiro, suas desculpas foram aceitas; mas não abandone o blog mais!
    Sobre o "bossal" deputado carioca, quero acrescentar algo nessa discussão. Devemos aceitar o pensamento de cada um, mesmo aquele vindo de uma criatura tão arcaica e prepotente.
    No entanto, pensamento que, por sua violência e acidez, torna-se crime de racismo e de homofobia, não podemos admitir ou tolerar.
    O pensador desse tipo de crime deve ser punido.
    Que a população fluminense o puna de verdade nas próximas eleições, não o reconduzindo ao Congresso Nacional.
    bjs e não desapareça daqui!
    Maurício

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  6. Olá Mário, que bom ter seus textos de volta e vc também. Olha, pelo que vejo aqui pras bandas do planalto central, o preconceito é algo horrendo, não só em relação aos homossexuais, mas, também aos negros e a tudo que é diferente. Aceitar a diferença não é coisa fácil para uma sociedade, que apesar do discurso de avançada, ainda prima pelo conservadorismo. Quanto ao deputado, paquiderme é o nome certo para ele e olha se não se está ofendendo os verdadeiros. O preconceito é uma das piores coisas que já existiu na face da terra, em todos os sentidos. Saudações pelo texto. Edi

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  7. Olá, tudo bem? Para quem acompanha o meu blog desde os primórdios hehe, sabe que gostei do remake deA Escrava Isaura, Prova de Amor e até de Caminhos do Coração versão 1.. Só acho que quando deseja retratar uma época e mexer em um "vespeiro" não pode simplesmente jogar fatos sem a menor contextualização (mesmo em uma novela).. Mesmo assim, respeito sua opinião. Abraços, Fabio www.fabiotv.zip.net

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  8. Mário,

    Atualize-se. Tonhinho Cerezo tem uma filha. He is she, mesmo sem ter cortado (ainda) o apendice. Lea T. é ela por opção. Não foi a Simone (a escritora, não a cantora) que disse que não se nasce mulher, mas se torna ou se conquista, algo assim?

    Toninho Cerezo também subiu muito em meu conceito. Sobre o pensamento das cavernas, digo, das casernas, penso como você. Acho dificil voltar a frequentar a missa quando você viu o padre acendendo a vela.

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