
Nos últimos dias, o mundo gay e o noticiário policial voltaram a se encontrar. No primeiro caso, um rapaz de 18 anos foi preso ao beijar um garoto de 13 dentro de um cinema de shopping. No segundo, um grupo de meninos bem criados espancou quatro rapazes que encontraram ao longo de uma caminhada pela avenida Paulista. Em comum, todos os envolvidos - exceto o menino de 13 anos - passaram a noite em alguma cela do nosso educativo sistema presidiário. Todos foram libertados no dia seguinte, sob a alegação que não ofereciam perigo à sociedade em volta. E assim, a Justiça, cega e soberana, colocou no mesmo grau um beijo e um soco.
No caso do beijo, o caçula da dupla disse ao delegado que não foi obrigado a nada, que marcou o encontro pela internet e que não teria contado ao outro sua verdadeira idade. Quis beijar, beijou e pronto. Ele é daqueles que nasceu já ouvindo a falação na TV, nas rádios e, quem sabe, em casa, sobre os direitios de todos se exprimirem, etc etc, e acreditou no que ouviu (nossa geração ainda mais fala que pratica). O rapaz de 18 anos, estudante de cursinho pra Engenharia, foi considerado pelo juiz tão jovem e inexperiente quanto o outro e, por isso, foi liberado. E como canta Chico Buarque, "aí, a notícia carece de exatidão": o que acontece aos dois jovens depois do vendaval? O beijo vira namoro ou amizade? Os pais vão deixar? Do alto de seus 13 topetudos anos, o menino vai assumir mesmo sua homosexualidade ou tudo virará mais uma loucura de verão, daquelas que os netos nem imaginam ter acontecido na vida do vovozinho gagá?
Já sobre os agressores da Avenida Paulista, muita coisa foi dita, especialmente nas redes sociais. Até onde eu li, ninguém veio a público defender os meninos - a não ser alguns dos pais e o advogado pago pra isso. Sair por aí espancando gente a torto e a direito é mesmo indefensável. E parece que os tapas doem ainda mais porque - salientavam os noticiários - eram cinco jovens de classe média, alunos de colégios particulares, com famílias estabelecidas e pai com carro na garagem. Fossem filhos de diaristas com faxineiros, tênis de marca falsa comprada na 25 de março e saídos de um baile funk, à espera do bumba, o espanto seria menor?
A gangue da Paulista vinha de uma festa em Moema - bairro por excelência da classe média paulistana mais conservadora - e, horror dos horrores, alguns deles teriam sido paquerados por suas vítimas. Um piscar de olhos mais insinuante ou um convite mais provocativo - e acendeu-se o estopim. Isso, é claro, se o que os agressores contaram a verdade. Algumas testemunhas negam qualquer gesto por parte das vítimas... As testemunhas desmentem até mesmo a ocorrência de uma briga, onde uns batem nos outros respectivamente. Quando só um lado bate e o outro apanha, a Ação tem outro nome: massacre.
No argumento da defesa, mostra-se que teria havido, sim, homofobia - mas estimulada pelos devassos paqueradores. Por si só, é um argumento abjeto. É como justificar o estupro porque a mulher usa minissaias provocantes. Para mim, o que houve foi algo mais que simples homofobia (e simples, aqui, não julga o mérito). Os meninos juntaram-se para agredir qualquer pessoa que considerassem fisicamente inferior a eles. Devem ter pego só "inimigos" magros e miúdos, duvido que tenham encarado um gay malhado de academia ou um negão que faz bico como segurança de balada. Com tipos assim, os cinco valentões da Paulista afinariam bonito. Mais fácil catar o casal gay que passeia de mãos dadas ou o "baianinho" que estava indo trabalhar. Uso aqui os termos mais politicamente incorretos e de propósito. Isso vai facilitar a leitura, caso alguém ligado aos trogloditazinhos caia por engano neste blog.
Os pitbulls com cérebro de pulga mostraram-se mais deslocados na Paulista do que qualquer pai de família que veste a melhor roupa na criançada e tira o domingo para ver os enfeites de Natal na avenida dos ricos. A Paulista transformou-se num território de manifestações públicas variadas, da vitória do Corinthians à comemoração pela vitória da Dilma, da São Silvestre ao show do réveillon... E da Parada Gay. Antes confinada a um domingo de junho, a Parada Gay rasgou o calendário e seus participantes decidiram que a Paulista é deles quando quiserem. Casais de rapazes passeiam de mãos dadas e pares de meninas trocam beijos na porta da lanchonete. De uns tempos pra cá, os mais velhos seguiram o exemplo dos mais jovens e a idade média dos casais gays vem subindo. Aumentou a manifestação de um lado, seria de esperar uma reação do outro. Mas nem isso tem rolado, pelo menos quando não deixam escapar cinco ferinhas de Moema sem focinheira.
E mais. Usar como defesa o argumento de que os meninos têm nota boa na escola chega a comover de tão patético. Prova que essas mães ou não conhecem o filho que pariram ou conhecem e, no fundo, sabem que o que eles fizeram é mesmo indefensável.