
Era quase uma da tarde, um ventinho frio começava a soprar na Praça do Patriarca, no coração de São Paulo. A roda de curiosos cercava o trio de palhaços do La Mìnima, que se apresentava com seu novo espetáculo, "Rádio Varieté". A cada piada, a cada gesto, a cada pantomima, o público ria e aplaudia, vidrado. Durante toda a apresentação, um senhor de idade indefinida assistia, entusiasmado. Puxava aplausos, comentava alto, atento às piadas e brincadeiras. Quase no fim, já sentindo que a farra ia acabar, ele cruzou o 'picadeiro' para ir cuidar da vida - e despediu-se com aceno tão carinhoso, que até os palhaços em cena notaram. Ele deu tchau e passou por mim, levando na cara um sorriso de tal modo sincero que eu tive certeza: esse vai sorrir o dia inteiro.
Voltei a atenção para a plateia. Misturados ao grupo, o multifacetado Antonio Nobrega e sua mulher, Rosane, assistiam tão seduzidos quanto o rapaz desconhecido, do outro lado, vestindo apenas uma camiseta, uma encardida calça de agasalho e um par de havaianas fajutas. Ignorava o frio, o moço. E só olhava, fixo e concentrado, o show dos palhaços. Ria e aplaudia, como se sua rotina fosse essa mesma, rir e aplaudir dos palhaços da vida.
Nessa hora, a ficha caiu. Como é bom fazer alguém rir. Faz tão bem à alma e ao corpo receber de volta um sorriso aberto, um olhar molhado das lágrimas provocadas pela risada. Faz tão bem que eu me espantei de já ter pensado em escrever "sério". Ali, na praça, vendo os espectadores se deliciando com as brincadeiras criadas por Fernando Sampaio, Domingos Montaigner e Filipe Bregantin, eu compreendi de um jeito muito forte a importância do meu trabalho.
Daquele roteiro que ajudei a escrever, junto com o super Luiz Henrique Romagnoli, Domingos e Fernando, tudo arrematado pelo olhar profissional de Antonio Nóbrega, saíam piadas, comentários, brincadeiras, saía um sem-fim de coisa que, tenho certeza, fez mais alegre a quarta-feira de muita gente. Como sentir frio depois de ouvir aquelas risadas e aplausos? Não dá, cara, simplesmente não dá. O prazer do riso alheio é uma endorfina, uma dessas drogas naturais poderosas a ponto de viciar definitivamente. Sou um fazedor de risos addict - em inglês fica mais chique.
Parece besteira, né? Justo eu, que nos últimos 30 dias, tive 5 comédias em cartaz nesta cidade maluca, todas atraindo público, justo eu fiquei comovido como o diabo por ver o povo rindo hoje. Deve ser por que, em alguns instantes, bate uma dúvida de saber se o caminho é esse mesmo... Dá vontade de ter um trabalho que os outros considerem profundo e o encarem com a seriedade que é fazer rir...
Confesso, cara lavada, que bate essas coisas. Mas aí, ufa, vem um espetáculo de rua, uma roda de gente que não tem dinheiro pra pagar um ingresso em teatros convencionais, mas que parou ali e deu aquilo que o artista mais gosta: um minuto de forte atenção. A alma encheu, o coração disparou e eu me toquei, enfim. Outras dúvidas virão, porque eu não pretendo parar de escrever tão já. Mas hoje, 16 de setembro, eu tô de alma lavada e feliz. Que nem o rapaz de havaianas falsas e o velhinho que deu tchau na praça.
Dedico esse post ao Aimar Labaki e ao Petrônio Gontijo, com quem troquei, direta ou indiretamente, reflexões ao redor desse tema.
p.s. 2 - Quem quiser assistir a alguma apresentação de "Rádio Varieté" nas praças do centro, pode consultar o site http://www.laminima.com.br/. Tem datas já agendadas no Largo São Bento, no Parque da Luz e na Praça Antonio Prado.