quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Me barra, que eu também sou blogueiro!


            "Não acredito numa só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-las". A frase de Voltaire, incluída na peça "Liberdade, Liberdade", que Millôr Fernandes e Flávio Rangel escreveram em 1965, só chegou ao Jardim Brasil, onde eu morava, cerca de 10 anos depois. Pra minha cabeça adolescente, aquilo caiu como um machado - e eu nem lembro mais o nome da peça que o grupo de teatro do bairro apresentava nos salões da Igreja Nossa Senhora da Livração, mas lembro que era uma peça de protesto e, na época, eu achava que a Teologia da Libertação tinha vindo pra ficar.
            O pensamento de Voltaire virou uma espécie de lema da minha vida e eu tento - embora seja difícil - sempre me guiar por ele. Por isso, assisto com espanto, tristeza e medo as incansáveis manifestações contra a viagem que a blogueira cubana Yoani Sanchez está fazendo pelo Brasil.
            Feinha, cabeleira de testemunha de Jeová em missão evangélica, figurino de quem se vestiu quando a casa começou a pegar fogo, Yoani se transformou na Musa do Verão 2013. Ela é a voz da oposição em Cuba, é a dissidente que resiste aos safanões do governo absolutista, etc etc etc. Como a última moda - no Brasil e no mundo - é ser de direita,  Yoani virou mito, mártir, uma versão caribenha da donzela de Orleans na luta contra os gigantes barbudos de sua ilha.
            Yoani, é bom que se diga, tem todo o direito de achar o governo dos Castro - o único que ela conheceu em Cuba, aliás - uma bela duma porcaria. Quando visitei a Ilha há alguns anos, tive boas surpresas: educação e saúde são levadas a sério, sim, por lá, isso é inegável. E não venham os defensores de Miss Sanchez dizerem que só isso não basta. Não basta, mas ajuda muito.
            Mas vamos à visita da Señorita Sanchez ao Brasil. Que país estará sendo mostrado a ela por seus anfitriões? Nem dá pra dizer que ela foi recebida pela nata do tucanato, porque o Eduardo Suplicy - depois de dar um abraço em Marina Silva - serviu de guia durante alguns passeios. (Pra mim, Eduardo S. está tentando limpar a barra por ter votado em Renan Calheiros pra presidência do Senado, seguindo orientação partidária e contrariando algo como 90 por cento dos seus eleitores - eu entre eles. Seja como for, o senador petista está sendo uma das vozes mais democráticas no meio desse desfile de protestos ensandecidos).
            Que Brasil Yoani levará na lembrança? Se for o Brasil derrotado que o PSDB apregoa, vai ser uma péssima imagem do capitalismo, é bom tomar cuidado. Não dá também pra levantar a bola dos avanços sociais recentes, coisa de petista apoiador de Fidel. Que sinuca!
            Talvez fosse bom fazer só dois passeios oficiais: a escolas e hospitais públicos para que nossa visitante cubana pudesse comparar. Dados publicados na Vejinha desta semana dizem que 28% dos alunos do quinto ano da rede municipal de ensino chegam ao fim do ano letivo sem saber escrever um bilhete pro pai nem ler um gibi. Dos hospitais públicos, basta dizer que uma das grandes campanhas atualmente é querer obrigar político a usá-los - como castigo. Se comparar esses dados, talvez Yoani consiga elogiar alguma coisa em sua ilha.
            Falta-lhe a liberdade de ir e vir, de se exprimir, de fazer o que lhe der na veneta - e isso é essencial, mesmo. Quem passou pelo regime militar aqui, quando até pra se viajar pro exterior (sem ser exilado), a pessoa tinha um imposto altíssimo pra pagar, sabe bem que o ir-e-vir é sagrado. A falta desses direitos é inquestionável.
            No meio do bate-boca, perde-se a noção do meio termo, do relativismo. Ou bem se é contra ou bem se é a favor. Com muito passionalismo, muito radicalismo, pouquíssima inteligência. Boicotar a exibição do documentário que a moça veio exibir em Feira de Santana foi um dos maiores vexames diplomáticos e políticos que qualquer grupo político poderia ter feito. Ouvir a opinião contrária faz alguém perder pontos no boletim ideológico? Se for assim, por favor, protestem. Me xinguem. Puxem meus cabelos (vai dar mais trabalho, porque estão curtos, mas um verdadeiro militante nunca desiste). Aumentem meu ibope, que nem aumentaram o da Yoani. Eu também sou filho de Deus, oras.